Personagens:
Gustavo -
menino de sete anos, quieto, apático e calado.
Sr.
Astolfo - velho de 99 anos, rabugento - reclama de dores o tempo todo, tem
artrose, labirintite e usa bolsa de colostomia.
Mariana -
mulher de 42 anos, nervosa, em TPM constante, sem vaidade e hipocondríaca.
Sr.
Oswaldo - homem de 62 anos, metódico, arruma tudo o tempo todo e não gosta de
sair de casa.
Gisele -
mulher de 36 anos, bonita, artística, talentosa e vive à espera do noivo que
não chega.
Matilda -
Enfermeira de 45 anos, cuida dos pacientes: Gustavo, Sr. Astolfo, Mariana, Sr.
Oswaldo e Gisele. Está nessa atividade há 20 anos, não se casou, não tem filhos
e não vê a família.
Claudia -
menina de 18 anos, revoltada com a família por diversas imposições, foge de
casa. Os pais, sem saber o que fazer, a internaram.
Acontecimentos:
Cinco
horas da manhã de mais um honrado dia de Nosso Senhor. Obrigada, Pai, por eu
ter um trabalho e uma casa para morar. Pronto! Levantar-me-ei!
Sei que
estou nessa rotina há 20 anos. Sei que não vejo a minha mãe há muito tempo. Sei
que, por causa desse trabalho, não tive a oportunidade de me casar. Mas,
agradeço, Senhor, por estar viva, ter uma casa - quase não fico nela - e um
emprego.
Sete
horas. Graças a Deus, consegui chegar na hora do início do meu plantão na
Clínica Coração Feliz. Não sei se os corações estão felizes. Não sei se o meu
coração está feliz.
Enfermeira:
_ Bom dia, Gustavo! Vejo que conseguiu pegar o carrinho que caiu atrás da
estante. Interessante como você gosta desse brinquedo. No seu aniversário, vou
lhe dar um caminhão vermelho dos bombeiros. Você quer? (Silêncio) Como vou
saber?
Enfermeira:
_ Bom dia, Sr. Astolfo! Sua bolsa está cheia. Já venho trocá-lo. Volto logo!
Não levo nem meia-hora. Calma, Sr. Astolfo! Eu sempre cumpro com o que falo, e
o senhor sempre reclama.
Enfermeira:
_ Bom dia, Mariana! Quer que eu penteie seus cabelos hoje? Não! Todos os dias,
você me nega, mas não desisto de você. Já sei, sua cabeça dói e alguém mexeu
nas suas coisas. Falarei novamente com os outros.
Enfermeira:_ Bom dia, Sr. Oswaldo! Tudo certo hoje? Pelo que pude notar o senhor está com a
camisa amarela própria das quintas-feiras. Ah! Deixou-a passada para ser usada
hoje. Então, vamos dar uma volta no jardim? Não! Me negou de novo. Qualquer
dia, eu consigo.
Enfermeira:_ Bom dia, Gisele! Que passo lindo o seu! É de
qual ballet? Copélia. Eu devia ter imaginado. Que tal irmos ao Municipal no
sábado? Não pode! De novo! Já sei, seu noivo pode vir a chegar. Vamos na
próxima oportunidade.
Enfermeira:
_ Bom dia, menina! Quem é você?
_ Meu nome
é Claudia.
Enfermeira:
_ Prazer, sou a enfermeira Matilda. Deixe-me examinar a sua ficha e verificar
os motivos da internação. Esquizofrenia, tentativa de suicídio, drogas. Essa é
você?
_ Não.
Meus pais me colocaram aqui devido eu ter tentado fugir de casa. Quero a vida.
Quero ser feliz. Quero viajar, estudar. Mas eles só permitem que eu siga
ordens.
Enfermeira:
_ Você tem certeza disso? Seus pais te amam? Pais sempre amam os filhos.
_ Eu sei.
Mas, é um amor sufocante. Eu quero ser livre. Me ajuda.
Enfermeira:
_ Como?
_ Me deixa
sair.
Nisso,
Gustavo, Sr. Astolfo, Mariana, Sr. Oswaldo e Gisele, todos olharam para a
enfermeira Matilda. E Matilda também se assustou.
Enfermeira:
_ Eu não posso!
Todos: _ É
muito perigoso.
Enfermeira:_
Eu não devo!
Todos: _
Você pode ser assaltada.
Enfermeira:_
Eu posso ser demitida!
Todos: _
Você pode se machucar.
Claudia: _
Chega! Eu não me importo com o que possa me acontecer. Eu quero viver.
Nesse
momento, foi como se um nó fosse desatado das mãos e pés da enfermeira Matilda.
Pegou a menina Claudia pela mão e saiu da clínica onde os corações não são
felizes.
Escrito
por Simone da Silva Figueiredo
Livremente
inspirado numa carta de Claudia Mazzolino
(08/03/2012)
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