sexta-feira, 23 de novembro de 2012

O Padre


Nasceu o filho. Graças a Deus. Após dar ao marido sete meninas, a mulher conseguiu gerar um menino. A continuidade do nome da família está garantida. As terras terão um varão a comandá-las. E a mulher terá o sossego, chega de tentativas.

O menino cresceu forte e sadio. Corria pelas veredas da fazenda, brincava com os novilhos, caçava passarinho e tomava banho de rio. Coisas de menino. Vida de fazenda.

O menino era como todos os meninos em quase todos os dias da semana. No domingo o menino mudava. Domingo era dia de missa. Domingo o menino acordava animado e acordava toda a casa. Não queria perder a missa. Queria ser o primeiro a chegar para poder sentar no primeiro banco. Seu sonho era ser coroinha.

No aniversário de oito anos a mãe lhe preparou uma surpresa. Contou-lhe que o padre o aceitou como coroinha. O menino era a pura felicidade. Saltitava, corria, falava e saltitava de novo. A mãe ordenou-lhe que sossegasse, pois ele iria ficar desarrumado para as visitas que estavam por chegar. Mas, criança liga para visita?

A vida seguiu com o menino virando rapaz. Durante a semana se dedicava aos estudos e aos afazeres da fazenda. No Domingo, se dedicava a Igreja. O pai preocupava-se com o tamanho da dedicação. Não conseguia concatenar e dar forma, mas tinha medo do desconhecido. Ou quem sabe, medo daquilo que ele mais temia. Não ter um varão em casa.

Aos quatorze anos o rapaz entra para o seminário. A mãe conseguiu ludibriar o pai com a história que o seminário seria um excelente lugar para o filho obter educação de primeira qualidade. Antes de se tornar padre ele sairia do seminário. Não perderia o filho varão, administrador das terras, herdeiro do nome da família.

Aos dezoito anos o rapaz se torna padre. Assume a paróquia das cercanias de sua fazenda. Conhece a todos, mas foram quatro anos. Como seria recebido? Como seu pai absorveria a notícia, as perdas. Como fazê-lo ver que ele tem muitos prêmios, tesouros e que essa era uma benção disfarçada.

O tempo passa. O trabalho de padre transforma o rapaz em homem. Um homem cheio de princípios, com um sorriso amável para todos e bons conselhos para quem lhe procura.

Certa tarde adentra a nave da igreja uma moça da comunidade, segue direto para o confessionário. Conta ao padre que a vida não tem mais sentido, pois seu noivo abusou de sua confiança, ela não era mais pura. Para piorar a situação estava grávida, no entanto o meliante declinou de qualquer possibilidade de auxílio ou conversa. Sentia-se perdida. Mediante a todo esse quadro optou por se retirar da vida, pois não daria esse desgosto aos seus pais. E que só ele, o padre, saberia os reais motivos de seu suicídio. O padre tenta demovê-la de seus intentos, mas percebe que nada consegue além de que ela reze duas aves-maria.

A noite, no quarto, a moça toma vidros de calmantes e outras drogas. Promove um coquetel medicamentoso em seu estomago. A cabeça gira, o giro das tristezas infinitas, o giro das certezas fatídicas. Uma sombra assistia a tudo da janela. E antes que ela desfaleça, abre a janela e entra. A moça vê o animal enorme, peludo em pé nas patas traseiras em seu quarto. Seu descomunal tamanho e seu fedor de cachorro molhado a atordoam, a aterrorizam. Em choque ela o observa sem esboçar reação. E num rápido e certeiro golpe, o animal arranca-lhe a cabeça, se vira e sai pela janela aberta. Não deixa nenhum vestígio de sua presença, além do brutal assassinato.

O padre na sacristia ora. Senhor, Meu Deus, obrigado por permitir que eu chegasse a tempo de impedir a morte por suicídio. Receba a jovem em sua morada e explique a ela meus motivos. Amém.


Escrito por Simone da Silva Figueiredo
(em 13 de Novembro de 2012)

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