Nasceu
o filho. Graças a Deus. Após dar ao marido sete meninas, a mulher conseguiu
gerar um menino. A continuidade do nome da família está garantida. As terras
terão um varão a comandá-las. E a mulher terá o sossego, chega de tentativas.
O
menino cresceu forte e sadio. Corria pelas veredas da fazenda, brincava com os
novilhos, caçava passarinho e tomava banho de rio. Coisas de menino. Vida de
fazenda.
O
menino era como todos os meninos em quase todos os dias da semana. No domingo o
menino mudava. Domingo era dia de missa. Domingo o menino acordava animado e
acordava toda a casa. Não queria perder a missa. Queria ser o primeiro a chegar
para poder sentar no primeiro banco. Seu sonho era ser coroinha.
No
aniversário de oito anos a mãe lhe preparou uma surpresa. Contou-lhe que o
padre o aceitou como coroinha. O menino era a pura felicidade. Saltitava,
corria, falava e saltitava de novo. A mãe ordenou-lhe que sossegasse, pois ele
iria ficar desarrumado para as visitas que estavam por chegar. Mas, criança
liga para visita?
A
vida seguiu com o menino virando rapaz. Durante a semana se dedicava aos
estudos e aos afazeres da fazenda. No Domingo, se dedicava a Igreja. O pai
preocupava-se com o tamanho da dedicação. Não conseguia concatenar e dar forma,
mas tinha medo do desconhecido. Ou quem sabe, medo daquilo que ele mais temia.
Não ter um varão em casa.
Aos
quatorze anos o rapaz entra para o seminário. A mãe conseguiu ludibriar o pai
com a história que o seminário seria um excelente lugar para o filho obter educação
de primeira qualidade. Antes de se tornar padre ele sairia do seminário. Não
perderia o filho varão, administrador das terras, herdeiro do nome da família.
Aos
dezoito anos o rapaz se torna padre. Assume a paróquia das cercanias de sua
fazenda. Conhece a todos, mas foram quatro anos. Como seria recebido? Como seu
pai absorveria a notícia, as perdas. Como fazê-lo ver que ele tem muitos
prêmios, tesouros e que essa era uma benção disfarçada.
O
tempo passa. O trabalho de padre transforma o rapaz em homem. Um homem cheio de
princípios, com um sorriso amável para todos e bons conselhos para quem lhe
procura.
Certa
tarde adentra a nave da igreja uma moça da comunidade, segue direto para o
confessionário. Conta ao padre que a vida não tem mais sentido, pois seu noivo
abusou de sua confiança, ela não era mais pura. Para piorar a situação estava
grávida, no entanto o meliante declinou de qualquer possibilidade de auxílio ou
conversa. Sentia-se perdida. Mediante a todo esse quadro optou por se retirar
da vida, pois não daria esse desgosto aos seus pais. E que só ele, o padre,
saberia os reais motivos de seu suicídio. O padre tenta demovê-la de seus
intentos, mas percebe que nada consegue além de que ela reze duas aves-maria.
A
noite, no quarto, a moça toma vidros de calmantes e outras drogas. Promove um
coquetel medicamentoso em seu estomago. A cabeça gira, o giro das tristezas
infinitas, o giro das certezas fatídicas. Uma sombra assistia a tudo da janela.
E antes que ela desfaleça, abre a janela e entra. A moça vê o animal enorme,
peludo em pé nas patas traseiras em seu quarto. Seu descomunal tamanho e seu
fedor de cachorro molhado a atordoam, a aterrorizam. Em choque ela o observa
sem esboçar reação. E num rápido e certeiro golpe, o animal arranca-lhe a
cabeça, se vira e sai pela janela aberta. Não deixa nenhum vestígio de sua
presença, além do brutal assassinato.
O
padre na sacristia ora. Senhor, Meu Deus, obrigado por permitir que eu chegasse
a tempo de impedir a morte por suicídio. Receba a jovem em sua morada e explique
a ela meus motivos. Amém.
Escrito por Simone da Silva Figueiredo
(em 13 de Novembro de 2012)