domingo, 9 de outubro de 2011

Inocência Perdida - Amor encontrado

_ Mamãe, que barulheira é essa tão cedo?
_ Ih, filha! Esqueci de avisar. Os vizinhos novos chegam hoje para ocupar a casa de baixo.

Da janela.
_ Mãe, eles têm tanta coisa. É um casal e tem um menininho com eles. Tão bonitinho parece esperto.
_ Ahammm!
_ Mãe, a moça é bonita. Ela está com uma blusa igual àquela sua.
_ Qual?
_ Aquela florida que a senhora comprou no mês passado.
_ Já sei que é uma moça de bom gosto.
_ Mãe, corre aqui.
_ Que foi, menina?
_ O marido dela é bonitão. Um gato.

As duas olham para o rapaz. A feminilidade presente e a futura apreciam o mesmo espécime.

...

Passa-se as semanas e a rotina se instala novamente. Os novos vizinhos já não são novidade. A vida entra nos trilhos.

A menina pede na segunda, quarta e sexta licença ao rapaz para passar pela área comum das duas casas. Ela precisava chegar à área de serviço. O rapaz está em casa nestes dias e acha tudo normal. O menininho faz uma festa para a menina sempre. Ela é muito paciente e gentil com crianças.

Na casa dos novos vizinhos tudo segue bem. A esposa jovem e bonita sai cedo e volta tarde todos os dias. O rapaz, por ter um horário de trabalho mais flexível, cuida do filho. Leva na creche, vai para o trabalho, busca na creche, faz o jantar. O casal tinha uma vida boa. Isso chamou a atenção.

Na casa de cima, o circo das frustrações encena seu espetáculo habitual. Mãe com três filhos, não tem mais tempo para estar bonita. Pai e marido tem de trabalhar muito para garantir o sustento, não tem mais tempo para ver os encantos da esposa. Filhos, duas crianças arteiras e a mais velha que desperta para a adolescência. O relógio da bomba começa a contagem regressiva.

...

Passa-se semanas e todas as coisas estão no lugar. Não tem mais caixas na sala. O caminho para a creche é feito no automático. A tinta nova já não mais deixa seu cheiro irritante.

A vizinha vem estender a roupa na área comum. É uma menina bonitinha. Meu filho sempre fica muito feliz quando ela chega. Ela sempre brinca com ele cantando músicas que ele gosta. É uma menina nova ainda, acho que tem doze anos, vai ser uma moça linda.

Os vizinhos de cima parecem morar a muito tempo nessa casa. Conhecem todos no bairro. O marido sai cedo e volta tarde, sempre muito cansado. Às vezes trabalha de madrugada. A esposa é bonita, mas não está feliz. Não é fácil cuidar de três sozinha. Eles devem estar casados há muito tempo. Não parecem namorar.

...

Quatro horas.

_ Licença, senhor. Posso estender a roupa. Diz a menina.
_ Claro, esteja a vontade. Diz o rapaz.

...

Mês seguinte, às quatro horas.

_ Licença. Posso estender a roupa. Diz a menina.
_ Claro. Algo mudou em você. Diz o rapaz. O que foi?
_ Não sei, apenas cortei o cabelo.
_ Você fica bem assim. Bonita.

...

A noite, a jovem esposa liga avisando que não virá para casa. Deverá ir à casa de uma tia. Problemas de família à sanar.

Na cama de casal, o rapaz viaja nos pensamentos. A menina é linda. Ela parece uma flor prestes a desabrochar. E sua mente é inundada de pensamentos quentes por aquela jovem.

...

Duas semanas depois, às quatro horas.

_ Tô entrando. Vou estender a roupa.
_ Claro. Posso ver seu rosto. Diz o rapaz.

Ela cora e baixa o semblante. Ele lhe levanta o rosto segurando o queixo. Olhos curiosos o observam. Lábios carnudos o convidam.

Ele a beija. Ela corresponde.

Autor:
Simone da Silva Figueiredo
(escrito em 06/10/2011)

sábado, 1 de outubro de 2011

Uma princesa as avessas.

Era uma vez uma linda menina que nasceu num belo castelo nos Alpes Suíços.

Espera a história não é essa.

Era uma vez uma menina que nasceu no calor tropical de dezembro. Filha única e neta única, ela era a coisa mais importante naquela família. Todos se meteram na sua criação.

A bebezinha foi crescendo e mostrando ser extremamente inteligente. Andou cedo, falou cedo e leu, obviamente, cedo. Os seus feitos eram contados aos vizinhos e amigos.

A menina foi para a escola. Como era de se esperar, as notas mais altas eram dela. Em casa era educada, gentil e responsável. Repassava as lições todos os dias. Ninguém a manda estudar. O fazia por conta própria. Um prodígio de menina.

A menina que crescia ganhava elogios à sua inteligência todos os dias. Na escola, os colegas com dificuldades recorriam à ela. Ela auxiliava a todos. Suas notas permaneciam elevadas. Ganhou bolsa de estudos. Seu pai contava à todos, falava sobre a inteligência e a esperteza da menina.

A menina foi crescendo e outras referências passaram a ter importância. Não queria ser apenas inteligente. Queria ser bonita.

Perguntou à mãe:
_ Sou bonita?
_ Não. Você é inteligente.

Com isso, um decreto caiu sobre sua cabeça. Ela pensou e assumiu: "Sou uma NERD feia". O tempo passou e ela nunca mais tocou nesse assunto. Os elogios à inteligência continuaram.

Ao fazer quatorze anos a menina trocou de colégio. Foi para o ensino médio. Um conjunto de rostos diferentes. Não os conhecia. Ninguém sabia que ela era inteligente. Mas, feia todos veriam. Ficou com medo.

Na primeira semana de aula ainda, ela e os demais alunos novos foram cercados em todos os ambientes da escola. Descobriu que a escola tem quatro castas: professores, auxiliares, veteranos e eles, os calouros. A mais baixa das castas.

No intervalo da primeira sexta-feira letiva, os veteranos começam a selecionar os calouros. Aqueles que eles teriam o prazer de judiar. Arrumados no pátio, os calouros estavam tal qual os negros expostos no pelourinho a espera do comprador. No meio dos veteranos um rapaz se destacou pela simpatia e beleza. Ele caminhou até ela. A separou para ele dizendo: "Essa é a minha namorada. Ninguém toca." E lasca um beijo na boca da ainda menina.

Ela sentiu asco e nojo. Se sentiu exposta como carne no açougue. Foi até ele e o interpelou.
_Porque?
_ Você é a mais bonita. Tem que ser minha.

O odiou pelo seu primeiro beijo ser desse jeito.
O amou por lhe revelar que é linda.


Autor:
Simone da Silva Figueiredo
(escrito em 01/10/2011)